segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

faca d'água


infladas as velas sabe-se lá por quais ventos, que vem de ninguém sabe onde, mas isso não importa. agora o rumo não é porto qualquer, tampouco novos mares ou terras. agora o rumo é o casco cortando a água, o sobedesce da proa contra as ondas ou marolas, as gaivotas ao redor. o rumo agora é o barco fazer o que um barco faz.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

1093


ainda ontem era aí. eu sentia falta do que na época era lá. hoje é aí, o lá. eu, ainda muito bobo pra entender, devo morrer assim, de saudades. de você eu sinto saudades quase todo dia. não sei bem o que é você, mas lhe sinto saudades. quem será você amanhã? se ao menos eu pudesse sentir saudades do que ainda não passou. se tudo que passa tivesse sido tão bom quanto a saudade diz... talvez ninguém fosse andar pra frente, tampouco fosse o coração viver olhando pra trás.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

desterro



depois da tempestade, ainda outra. vista de fora, como se nada fosse. uma tempestade de silêncio e vazio, vez após vez. já mal se escutam promessas de dias melhores. eu, que habito em mim, não tenho vizinhos e estou prestes a ser despejado. vou ter que me haver com ela antes que ela me leve, a tempestade de silêncio e vazio.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

incontável


há lugares que não se pode descrever, nem ao menos para si próprio. a dor nas costas sempre me faz pensar em câncer, que deve não ser. um dia após o outro, um tornar-se aquele que antes eu nunca seria, isso me massacra. o otimismo quase sempre é como as falas tortas de um louco de rua. e nisso que parece sempre sombrio, eu me refastio. torno o mudo numa forma que não basta pra ninguém, só pra mim. e subitamente pensar se torna inútil. me liberto, sem satisfações indevidas. é uma solidão que, de tão só, não cabe nem você. esse incômodo todo, ele nem é meu, esse incôdomo todo, ele sou eu, enquanto me esqueço que é desse jeito que a coisa toda funciona, sempre.

domingo, 12 de junho de 2011

desadivinho


minha envergadura encolhe, minha fé seca e se recusa a se deitar com meu futuro, diz estar cansada de esperar. ele continnua sem dar notícias. eu temo por eles, não por mim. eu... eu procuro um lugar a salvo, onde dessa briga não sobre nada para mim. enquanto isso, minha envergadura encolhe. até quando eu não sei, talvez até minhas mãos saírem do tronco. talvez até que não existam mais mãos. 

terça-feira, 7 de junho de 2011

um barco

          modificação do original "Slave Ship (Slavers Throwing Overboard the Dead and Dying, Typhoon Coming On)1840 - William Turner


eu acordo já não mais lá. o barco deriva com a força do vento, minhas mãos-remos ainda dormem. a última ilha durou dois meses, mas acabou, como tantas outras. eu aqui, neste barco, como se a terra firme fosse um sonho. o barco eu sei, não é sonho nenhum, é o que eu conheço de mais real. esse barco, que tantas vezes eu já quis que não fosse o meu.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

quadrúpedes desvairados


quadrúpedes desvairados, cuidado! são os quadrúpedes desvairados! colocando-os de lado, os quadrúpedes desvairados, um sossego acalorado, fica tudo apaziguado. quando passam eles, é um tanto de poeira que mesmo que não se queira... ficam na memória esses bichos aloprados, os quadrúpedes desvairados.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

afectos infectos

                                                              foto por AnaCris Loureiro


afectos infectos, emanam
odor que insiste em ficar,
em tudo,
afectos infectos.
caminhos iguais levam sempre,
ao mesmo lugar.

que outros haverá?

quarta-feira, 2 de março de 2011

ormor-cego



morcego cego, atropelado pelo farol esquerdo do carro, sonhei com outro que não via, mas senti o cheiro insuportável de sua merda e urina, cheguei a acordar achando que tinha me cagado. morcego cego, atropelado pelo farol esquerdo do carro. morcego é cego, não olhou prordor lado.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

dos panos e ratos


as horas, são poucas agora, logo serão muitas e depois deixarão de ser, simplesmente. porque as horas são frias, duras. as horas são os dias recortados, que são as semanas, que são os meses, os anos, todos recortados. enquanto passam, todos estes, tentamos nos costurar, tecer. recortados somos nós, retalhos. a colcha é uma memória de mentira. às vezes, ao ficarmos velhos e juntos, nascem os ratos. geração espontântena do pior destino que um emaranhado de linhas pode ter. linha e agulha, cadê?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

cama velha


a cama é coisa velha, se desfez no caminho, mas sua memória insiste e às vezes prevalece, mas a cama é coisa velha, se desfez no caminho. ainda assim, aparece de repente, como se ainda houvesse. filho único dorme só, sonha só, mas cresce. e quando cresce precisa de companhia, porque já não basta mais só dormir, ou só sonhar.
à minha causa não cabe mais esperar. nem a cama. nem sonhar.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

pança, eu espero


vinteoito dias depois, ou um pouco mais, ou um pouco menos, não importa, alguma coisa do que era pra ser e não foi ainda insiste, a cada expiração. ergue-se no sonho, cai no dia, na solidão sem igual, tão bem acompanhada. crescem meu esperar e minha pança. aguardo seu filho, esperança. não que seja tanto esse o caso. preciso de você, seja quem for, contanto que seja outro de mim, em mim. meu espírito exige um santo de barro, pra que os outros possam ver a minha fé.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

assovio e janela


na janela, eu assovio na janela. pra não enloucar, eu assovio na janela. eu assovio pra ninguém, eu assovio pra ela. pra implicar, eu assovio na janela. não é brincadeira, já vi muita gente torta por não ter assovio, ou não ter janela. às vezes também eu enlouco, mas quando aperta, é janela. é assovio e é janela, vou correndo pra ela.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

até


eu cantei um morro inteiro, que eu subi só de imaginar
eu caí do céu e não morri, inventei asas pra me salvar
eu fiz foi tanta coisa, mas tanta coisa, que você nunca iria acreditar
minha vocação é o sonho
eu sonho, sonho, sonho...
sonho até você acordar