terça-feira, 26 de janeiro de 2010

poeira



uma gota de suor corta seu rosto da testa até o queixo a mão trêmula o vento seco na sua nuca os braços mal têm força para cumprir sua missão o homem na sua frente aguarda inerte olhos colados nos dele a respiração praticamente pára nenhum som ao redor o sol arde como nunca sobre sua cabeça não há outra coisa a fazer pensa em sua casa pensa se aquele homem tem casa ou se ao menos tinha espanta seus pensamentos num movimento súbito com a cabeça como se tentasse se livrar de um inseto inoportuno sem poder usar as mãos levanta a arma e dispara respira fundo dá as costas ao corpo no chão seca o suor e vai embora durante toda a marcha as ordens recebidas dias antes não saem de sua cabeça we cannot afford to make more prisioners que diabos ele havia ido fazer ali

domingo, 17 de janeiro de 2010

o muro



que se fodam, pensou ele antes de tomar a decisão. seguiu em frente e ao se deparar com aquele incrível muro começou a imaginar porquê ninguém nunca havia escrito ou desenhado ali. olhou para um lado, para o outro. ninguém. nem o vento nem o som apareceram naquela noite. o sangue esquentava nas suas veias, sua pele arrepiou e ele lentamente levantou sua lata. a mão ainda muito trêmula procurou o ponto de partida perfeito. antes da primeira espreiada uma lágrima escorreu pelo seu rosto. um sorriso lhe acompanhou por toda aquela noite assim como algumas outras lágrimas e uma intensa sensação de estar vivo. no dia seguinte todos os passantes puderam ver que onde antes existia um muro vazio agora havia uma cidade.

sábado, 16 de janeiro de 2010

seguir



parou tudo parou e tudo que acreditaram que tinham andado não andou e quando todos menos esperavam apareceu no horizonte um marco que colocava tudo em questão e as perguntas surgiram e muitas delas fizeram com que muitos deles ficassem pelo caminho enquanto o marco seguia impávido sobre o horizonte e mesmo assim muitos decidiram prosseguir e durante o caminho meio sem notar começaram a inventar novas línguas novas brincadeiras novos rituais e danças e prosseguiam em direção ao marco que seguia impávido sobre o horizonte e aqueles que ainda prosseguiam fizeram filhos e os criaram sobre o mesmo caminho que haviam sido criados e sobre este mesmo caminho os mais velhos morreram e ainda os que continuaram prosseguindo caminharam e caminharam até que o marco impávido que jazia em cima do horizonte desapareceu e aqueles que prosseguiram já eram inúmeros e todo o caminho que deixaram para trás já era imensurável e o marco que havia desaparecido do horizonte agora se encontrava no olhar de cada um daqueles que decidiram prosseguir e então prosseguiram prosseguiram indefinidamente cantando dançando nascendo e morrendo sobre o caminho que por fim foram eles mesmos que inventaram

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

pra mor di passá o tempo



(traduzido do espanhol)

-ôoba! qui cês tão fazendo aí?

-tamu insperando um cumpadi nosso?

-posso mi sentá aí cocês?

-ué si num pode? é craro qui pode.

-i quem é qui é qui cês tão esperando?

-agora, ninguém, uai.

saudades dela




e por todo o redor ergueram-se edifícios que cobriram toda a superfície de tudo que possuía superfície e confundiram a todos pois nem todos queriam entrar naqueles frios cinzentos e estranhos monolitos cheios de corredores que levavam sempre ao mesmo lugar todos os edifícios cheios de corredores que levavam sempre ao mesmo lugar mas mesmo assim com toda a superfície coberta o povo achou um jeito um jeito de fazer passar outra coisa que não na superfície então o povo comemorava e se embriagava de amor ali onde não havia nenhum edifício e os edifícios tomados de pavor acabaram por consentir ao povo um direito fundamental um direito que equilibrou todo o mundo e dizem que agora ele mesmo é mais importante que os próprios edifícios já que não cobre superfícies e não leva a lugares e a esse direito chamaram de direito à esquina

ainda te espero



em ti já sonhei já dormi já pensei já suei já corri já fui e voltei hoje não sei mais o que esperar de ti já que agora não te reconheço mais e acho que por isso também não te quero mais porque você não me serve não me atende não me satisfaz sem você sou mais triste é verdade sem você perco muito da cidade sem você o sol me lambe sem pudor sua morte é a morte de muitos é a morte de um amor e eu que não gosto nem sou muito de rimar rimei pra você só pra me vingar

sábado, 9 de janeiro de 2010

todos os anos



todos os anos o ano acaba todos os anos os homens inventam novas máquinas todos os anos o verão é mais quente todos os anos tem um campeão brasileiro de futebol todos os anos morre gente por causa da chuva todos os anos pessoas enriquecem enquanto outras morrem de fome todos os anos nascem bebês todos os anos morrem pessoas de todas as idades todos os anos pessoas se casam todos os anos pessoas se separam todos os anos a água do mar é salgada todos os anos nuvens se formam e precipitam a chuva todos os anos vem um depois do outro todos os anos trazem imprevisibilidade todos os anos são iguais todos os anos são diferentes todos os anos se seguem infinitamente até que não haja mais quem se disponha a contá-los todos os anos são novos menos os que já passaram mas se todos os anos que estão pela frente parecem que nunca se equipararão com os que ficaram para trás é por que estamos velhos e quando estamos velhos acabamos por criar uma certa obsessão com o passar dos anos.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

algum-lugar-algum




finalmente ele havia concluído seu pensamento. os ônibus, táxis e principalmente os metrôs todos eles levavam a lugares, mas e os lugares aos quais não chegam as coisas que levam a lugares? como seriam esses lugares? como chegar a esses lugares? existiriam esses lugares? essas perguntas foram suficientes para que ele tomasse seu rumo para o distante algum-lugar-algum. desde esse dia ninguém mais o viu, pelo menos não mais como antes.

ou vai ou racha




a hesitação o temor e a culpa todos o três estão aprisionados num sinal de trânsito todos eles estão aprisionados num sinal de trânsito não pare no vermelho não ande no verde e não hesite no amarelo seja como o pedestre não se sinta culpado por ir quando lhe dizem não e não se sinta forçado a seguir quando não estiver afim não se angustie quando não for uma coisa nem outra aprenda com o sinal de trânsito pois nele estão aprisionados três grandes inimigos do homem o temor a hesitação e a culpa e lembre-se que ao contrário do que você pensa nem sempre tem gente olhando

deixa pra lá



Viu aquilo? pensei em perguntar a ela, mas sabia que não era uma pergunta pra se fazer. Logo pensei que talvez eu nem precisasse, já que aquilo não era uma coisa fácil de se ignorar. Passei então a imaginar o que ela teria pensado em comentar e não me comentou, assim como eu fiz com ela quando vi aquilo. Seguimos nosso caminho cruzando por mais alguns aquilos sem nada comentar um com o outro, seguindo o ritual de todo casal que se preze, ignorar as errâncias do desejo alheio mesmo e talvez principalmente quando ele atravessa bem na sua frente.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

procedimento


hoje faz um quarto de mês e me disseram que a esta altura tudo já estaria resolvido por aqui parece que as coisas nunca acontecem no devido tempo eu sei que isso pode parecer muito relativo mas há sempre uma medida para o razoável e pelo visto ela simplesmente é ignorada por esse pessoal que de fato me deixa sem saber se o problema sou eu ou alguma coisa errada que eu fiz durante o procedimento que por sinal é cruel pelas suas duas características mais marcantes a saber a de sempre aparentar estar incompleto a segunda de sempre parecer que está numa fila que não anda por favor me corrijam se estiver errado mas um procedimento deveria ter início meio e fim mas não aqui pelo visto os procedimentos deste lugar obedecem a uma regra completamente diferente que os transformam em algo que definitivamente desvirtua as qualidades próprias a um procedimento ainda assim fica a pergunta de qual o próximo passo para o cumprimento do procedimento porque perguntar sobre o prazo eu já desisti

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

destes olhos




derrama sobre mim a palavra que me diz que faz de mim o que eu sou que me tira do buraco vazio da vida pura e simples que me conforta e me confronta quando eu quero ir longe demais além do que eu não sou tão livre assim tão esperta assim tão assim como você gostaria que eu fosse além do mais eu não sou nem bem o que você pensa que eu sou nem tão bem quem eu gostaria de ser ora que coisa que diferença faz se as semelhanças se esvaem como a água na palma das mãos e nos sobra apenas alguns momentos que valem apenas alguns momentos que valem a pena assim como em tudo mais raramente o que quer que seja satisfaz e eu ainda assim tão jovem

joão e o portão





todos correm na mesma direção, todos rumam para o portão, joão não. joão não entende. joão olha em volta e não entende. joão olha para o portão e não entende. joão olha para o rostos aflitos e não entende. joão não vê muros. joão não vê ameaças. joão não entende. joão não vai. joão fica. joão se sente aliviado. joão fica. depois que todos vão, joão olha para o portão. não ve muros nem ameaças, só vê o portão. joão não entende, todos foram pelo portão. joão não entende. joão se sente aliviado.