quarta-feira, 29 de setembro de 2010

segundona


- faaala, marcão! passei aqui só pra te dar aquela zoada e cobrar meus cinquenta reais. diz aí, que tal acordar na segunda divisão?
- é, cara... pra falar a verdade eu já tava meio que esperando isso. acho que tô resignado já. os cinquenta eu te pago na sexta, porque a gente já vai ter recebido.
- tá tranquilo. agora não vai esquecer que vai ter que jogar a pelada de quarta com a camisa do fluzão, hein?
- não esqueci, não. leva lá pra mim que eu boto.
- vou levar, sem falta! essa eu quero ver.
- e sua mulher, pedro? tá melhor? semana passada você disse que tava preocupado, que ela tinha piorado muito.
- pois é, cara. é por isso que eu nem vou ficar pra trabalhar hoje, to só de passagem. ela faleceu ontem e o enterro vai ser agora de tarde. eu nem tava muito afim de ir, mas não posso perder a oportunidade de sacanear aquele bando de flamenguistas da família dela.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

ou não


chegou, finalmente, a entender os homens que olhavam fixos para um ponto, na maioria das vezes com as mãos ocupadas, com a cabeça, sempre. percebeu o quanto atrapalhou a si e aos outros tentando fazer caber dentro do tudo, ordenadamente, todas as coisas. catou cavaco em inúmeras ocasiões, mas se pôr de pé após cada uma fazia com que ele acreditasse que estava no caminho certo. o tempo passou, e já cansado do cai-levanta, resolveu se recostar para recobrar as forças, sentando ao pé de uma árvore que lhe provia uma sombra muito meiaboca. ali, com os joelhos laçados pelos braços, começou a enxergar as coisas por uma outra perspectiva. notou que entre os homens existiam abismos irreparáveis. intuiu que a maldição de seus colegas de espécie era se parecerem uns com os outros, quando a rigor nada tinham a ver. meditou sobre isso durante um tempo incontável. quando finalmente levantou, já sem querer fazer caber no tudo todas as coisas, foi arrumar o que fazer. parou de tropeçar, mas passou a carregar no peito uma estranha sensação, que só cessava quando ocupava suas mãos ou, por deslize, se flagrava tentando fazer caber tudo no todo, de novo. havia que se descobrir um jeito de se livrar do ou. ou não.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

preta porteira


pra onde você quiser. é isso mesmo, você pode ir para onde quiser. é claro, só terá que assinar esses papéis concordando com os termos. como assim não sabia dos papéis? meu senhor, para tudo o que se possa querer  nessa vida é preciso que se assinem papéis, não tenha dúvidas. mas mesmo assim, se as tiver, pode contar comigo que eu me prontifico a sanar todas. mas antes preciso que assine os papéis. fique à vontade para ler tudo com calma, mas pode confiar, é só assinar a última página e rubricar no cantinho de todas as anteriores. aqui está a caneta. fico muito feliz de ver o senhor tomando a decisão certa. sem dúvidas o senhor não se arrependerá. é o melhor investimento que existe nos dias de hoje. perfeito. está tudo em ordem agora, senhor. dentro de onze dias úteis o senhor já pode passar aqui na loja para buscar os seus sonhos. e lembre-se, o período de troca em caso de defeito é de dez dias, contados a partir de ontem. se o senhor me dá licença, agora preciso ir. os negócios estão à toda, ainda tenho vinte e nove desses pra vender ainda hoje.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

merdê


feito o estrago, e logo a certeza crua de que não haveria mais volta começou a pesar sobre suas cabeças. a falta de culpados tornou tudo mais difícil, praticamente impossível. entreolhares tentaram a cumplicidade em busca de uma pena menos severa. não funcionou. ninguém deu o primeiro passo. todos temiam o pior, não sabendo que já estavam parados, rigorosamente, de pé sobre ele. algum tempo passou. já quase não se lembravam do estrago, e de alguma maneira obscura inventaram uma série de hábitos de vigilância uns para com os outros. ninguém perdoava mais nenhum erro alheio, tampouco próprio. respirações curtas, longos períodos de vigília, quase nenhum de sonho. tudo por causa daquilo que se esqueceu, desde lá atrás, quando o estrago foi feito. bando de cagões da porra!

perainda


três... dois... um... nada. de novo. três... dois... um... nada. de novo. de outro jeito. um... dois... três... e... nada. de novo. um... dois... três... e... nada, de novo. silêncio. um pouco mais de silêncio. ainda mais um pouco. enfim, quando todos menos esperavam, ele havia ido. não houve tempo para aplaudir. ele já tinha ido. se deu um princípio de confusão, mas logo passou. enquanto ele, enquanto ia, achava aquilo tudo muito engraçado. riu de si, mais do que tudo, ao perceber que já ia sem nem ao menos lembrar pra que. apesar do malentendido deixado sobre os ombros do público incauto, sentiu-se aliviado, quase livre. logo, uma coisa ficou clara. aquela corrida não era de mais ninguém. e a forma do pensamento que ocasionou essa conclusão, foi: trêsdoisum é o caralho!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

mil duzentos e seis


o filho da puta respingou porra em mim, mesmo eu tendo avisado que mataria ele. mas é foda. mil e seis reais. eu nunca ia esperar mil e seis reais daquele puto. quanto mais numa nota de mil. eu nem sabia que existia nota de mil. e eu quase não fiz nada, foi a mulher dele que tomou pica. mais duzentos do segundo programa. que merda. acho que posso acabar me acostumando. mil duzentos e poucos reais pra aguentar uns esporros... acho que dá. que merda. que merda.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

assim


calaram-se não se sabem quantas línguas, emudeceram-se os batuques, pararam de andar os pés, os olhos não enxergavam mais, a cabeça só pesava. apenas o coração batia, descompassado, caótico, forte e desesperado. coisas cruzavam o ar, projetadas. as máquinas levavam homens de um lado a outro, carregando outras, máquinas, de desfazer homens, que a bem da verdade, nem ao mesmo tinham terminado de ser feitos. a rotina seguiu assim até que um dia faltaram homens para se desfazer. desfizeram então as crianças, depois as mulheres. os velhos já não existiam mais há muito tempo. finalmente, foi tudo desfeito. e o homem, desfeitor do outro homem, também. 
sem solenidades, sem fechamento.
assim foi o fim. simplesmente, assim.