segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

ao longe


o tempo jaz insosso, turvo e retorcido sobre um espaço incerto. ontem, nos encontramos e nos amamos enquanto ao fundo ressoavam trompas de guerra, apontando o caminho a seguir. nossos espíritos jovens fizeram o que lhes cabia, mas diferente do que se esperava, foram parar em lugar desconhecido. o silêncio ao redor confunde mais do que acalma. hoje, não estamos de modo algum sós, só não sabemos bem onde viemos parar. continuamos nos amando, precisamos nos encontrar.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

piquesconde


artimanhas de sobrevivência protoestética pseudoautônoma. para tudo que tá tudo errado! tá não! segue! para tudo, é pelo outro lado. né não! diacho de coisa doida! cadê você? cadê? cadê eu?! achei! AHuaUHAUHAUH! achei outra coisa! pra que serve? serve pra nada! serve pra ser outra coisa! ah! então já tá bão!

domingo, 14 de novembro de 2010

fricção


chegada a hora da verdade, doce ilusão. a merda da verdade, deserto da razão, sem sorrisos nem refrão. aprumados rituais entre sérios em série enchem o saco dos outros. enquanto isso, alguns comem salgadinhos e tomam refrigerante. os retos tentam durar mais, cada vez mais, para, chegada a hora da verdade, morrer de completo tédio. simula-se a vida, a morte, não. ficção. quem sabe como é, sabe como é. tudo fricção.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

nada a acrescentar


nada a acrescentar, disse o professor com a prova corrigida em mãos. então, eu estou liberado? perguntou o aluno, mais aliviado do que orgulhoso. pelo contrário, meu caro. retrucou o mestre com ar solene. como assim? eu não posso ir embora? ninguém disse que você não pode ir embora.

sábado, 6 de novembro de 2010

o lula gosta mesmo é do ronaldo


(Na padaria, uma semana depois da eleição de Dilma)

     Balconista – O Lula gosta mesmo é do Ronaldo.

O freguês espera a conclusão da piada, mas ela não vem.

     Freguês – E daí?

     Balconista – Não, não. O Lula gosta mesmo do Ronaldo.

O freguês, já descrente de ouvir o desfecho, simplesmente aguarda calado.

     Balconista – O Lula é corintiano roxo e o Ronaldo joga no Corinthians.

     Freguês – Ah, sim.

Balconista – Por isso o Lula gosta muito do Ronaldo, porque ele faz gol e joga no Corinthians.

     Freguês - ...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

entre


peço licença, mas não há ninguém lá. busco companhia, talvez ainda seja muito cedo. a porta está aberta, escancarada. o lado do dentro eu imagino, falta pouco, falta tanto. quem me disse pra ir, nunca esteve lá. essa é a condição, a descoberta. isso deveria me libertar. sinto o peso da decisão. reconheço em mim os opostos. durmo bem durante a viagem. percebo que nada está pra começar. é o depois que põe as cartas, as perguntas sem respostas. a história é obra da loucura. olho em volta. não estou mais só. não, estou completamente só. tenho que sonhar com os outros. um passado quer ser futuro, pra ter presente. o tempo se curva sobre si, sobre mim. tenho que fazer sobre nós. pra atar, desatar. fazer sentido, no peito. entre tantos, entretanto. desatento, some a porta. um caminho em seu lugar. atrás, olhando agora, vejo que já começou. no lugar da poeira que ainda paira, há que se haver histórias. não se pode viver sempre a se lhas apagar. o caminho da frente se dobra sobre o detrás. eu, comprimido, me esparramo no entre, entre. lembro da saudosa porta, peço licença, mas não há ninguém lá...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

um pra frente, dois pro lado


no tabuleiro, da beira o jogo é outro. hoje é casa E5 e o coro come, rainha do lado, peões, alguns já eram, outros seguram as pontas, os bispos seguem no jogo, até agora um empate sem condições de analisar muito à frente. sou cavalo, pulo daqui pra lá, entre defender e ameaçar, os reis são dois, até o fim. acabamos de perder a torre, me movo pra trás, a rainha me protege agora, logo avançaremos em direção ao roque. não existe partida ganha, mas estamos otimistas. não! perdemos a rainha. me recomponho do susto e avanço em direção ao rei branco, eu e um peão atrevido. é cheque-mate. volto pra b8, pronto pra outra.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

terceiro turno


se eu sei? não, eu não sei no que vai dar. mas do jeito que tá é feio demais, não pode ficar. eu vou por ali, você vai por lá. não é nem que lá na frente a gente vá se encontrar, é que o relógio não para. tictac. e nessa trilha tosca, vamos ao menos parar de gritar. fim de festa que nem começa, mais uma não dá.

eu não quero ser esse mundo pros meus filhos.


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

pausa


eu tenho medo de me perder.
você tem medo de se perder?
você tem medo de me perder?
eu tenho medo de te perder.

...

pausa

...

eu tenho medo de me perder?
você tem medo de se perder.
você tem medo de me perder.
eu tenho medo de te perder?

...

pausa

...

espera...

do que é que a gente tem medo mesmo, amor?

...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

dos pregos e rabos


miligramas de lixo inundam a sala de reunião, somos todos temerosos, cagões. olhos fixos em tudo que é lugar, mas nunca em outro olhar. sob o manto de uma tosca altivez, ninguém sabe o que faz. o encarnado aparece dos céus... mas... espera... não é ele, de novo, outro engano. ninguém mais acredita, a não ser nas pequenas merdinhas do dia-a-dia, que pra quem acredita não tem nada de inha. na rua não tem polícia pra prender e ninguém aproveita. ciscando culpas e pregos pra se prenderem os rabos, por aí não vou. televisão é o remédio pra doença que todo mundo foi convencido que tem, quando não são as bolinhas que os jalecudos receitam. eu não duvido de mais nada e não me venha com seus absurdos, porque se deus está morto, meu deus! o que então estamos fazendo que não brincando no quintal?

autorretrato de outrem




faço um café pra despertar em mim o que adormece é rente ao chão quase morto simpatizo um pouco com a pequena sensação rente ao chão não há o pouco me elevo por dever obrigação me confundo pela presença dos outros que não são poucos mas roucos quando não mudos sou eu que tento mudo pouco o bastante pra perder o terreno que me ganharam durante a confusão tento me arquitetar ou aquietar mas tem sempre alguma coisa a cutucar algumas vezes respondo noutras crio calos oportunos só para me prevenir de um incômodo inoportuno que teima em me insistir simplesmente porque não entende nada de vocação.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

quem jura mente


não, não é mais uma barata. é o cadarço da sunga. as cuecas limpas acabaram. a colchão tomba pro lado e eu sei porque, mas tenho preguiça de consertar. amanhã não sei se corro na esteira ou corro pro bar. a certeza que eu tenho é de que seis horas toca o despertador, e que eu não vou levantar antes de seis e meia. hoje sou capaz de pensar num dia perfeito amanhã, mas quando o amanhã vira hoje a história é sempre outra. disso eu já sei, acontece todo dia. o problema não é nem que as autopromessas nunca se cumpram, mas sim que se perca tanto tempo com elas. melhor seria se pudéssemos aceitar que um dia fosse mais ou menos a mesma coisa que o outro dia, mas pra isso, honestamente, eu não tenho vocação. então deixa eu ir dormir, porque amanhã eu tenho do dia cheio. mil promessas pra não cumprir.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

das coisas do mar


os barcos, me proibiram de voltar a vê-los. isso desde que foram condenados todos aqueles que, como eu, viram as criaturas fantásticas do mar. mas, pela proibição, começaram a faltar homens que soubessem manejar corda e vela. resolveram então, por medida provisória, que poderíamos voltar a embarcar. mas passaram a nos treinar para o fazer de olhos vendados. eu bem que poderia, mas não quis. não vi razão em navegar sem poder ver as coisas que, do mar, só vê quem está lá. preferi ficar em terra, tecendo redes e velas, as quais, enquanto teço, fecho os olhos, pra ver as coisas do mar.

onde (não) me encontrar


nos amamos na cumplicidade de nossos defeitos, e nos raros momentos em que não é assim, deparamo-nos com um confuso sentimento de regozijo e medo. temerosos e confiantes, seguimos, não havendo quaisquer paradoxos lógicos, apenas afetivos. temos uma única certeza, mas que nem essa podemos admitir. o amor que insiste entre nós é quase idêntico a cumplicidade de nossos defeitos. os outros serão sempre ameaças. os outros, que não nossos defeitos. e se isso fosse um lugar, era lá que eu queria te encontrar.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

só mais um pouquinho


vem cá, amor. senta aqui. sabe aquele negócio de eu não querer mais? pois é, mudei de idéia, voltei atrás. eu topo seu pacto. eu lhe sirvo cego, sem emendas, intacto. do meu lado, prometo, não peço nada, podes me levar tudo, me deixar nú, de bunda pelada. pior seria se não fosse assim. chega de promessas, eu quero a vida nua e crua, com todas sua concessões alopradas, como quando seis valem mais do que meia-dúzia e doze não vale nada. quero uma rotina massacrante em que eu me pareça com todos aqueles outros que se parecem entre si. na frente da tv, quero dizer mil vezes a palavra absurdo. quero ler os livros da prateleira dos best-sellers. quero levar o nosso amor até os confins do sofrimento mais neurótico do mundo. quero não ter que inventar nada. quero me ressentir a cada minuto. quero lembrar da infância como se fosse ficção. quero me exasperar à toa quando encontrar um prato mal lavado no escorredor. quero deixar a barriga crescer, porque não vai fazer diferença. quero cagar de porta aberta, peidar enquanto você come. quero ver as crianças crescerem enquanto nosso ossos se esfarelam sob nossas peles. quero ter a certeza de que incerto só será o dia de dizer adeus. e mesmo a morte, tão insuspeita e clara, será por nós mal resolvida. o peso da dor versus o alívio da partida. por fim, aquele de nós que sobrar por último, vai passar o resto dos dias dopado, empurrado numa cadeira de rodas por uma mulher de jaleco branco que não faz parte da família. Ah, meu amor! como não desejar tudo isso do seu lado? é por isso que agora, meu amor, seremos nós dois. só nós dois caminhando de mãos dadas nesse roteiro de filme de terror. afinal, que mal há em terminar assim? então? então vamos! mas vamos depois. agora ainda é cedo, cedo demais.

amor concreto


chão molhado em dia quente, mente anuviada, sangue grosso, sigo em frente, meio bambo, em frente. a cidade me ampara porque não acaba, diferente de mim. eu me acabo. tudo que sobe, sobe, e depois a gente não tem mais notícia. tudo o que desce cai no chão, fica. eu tento. não subo nem desço, pereço. ouço vozes, propostas terríveis, vejo o povo dizendo qualquer coisa em tom moroso. não quero ser o povo. mal consigo. sigo. pressinto o pior, seu cheiro de coisa podre. solto a fumaça pelo nariz. o concreto,  amor anônimo. familaridade imanente. até que se parte.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

segundona


- faaala, marcão! passei aqui só pra te dar aquela zoada e cobrar meus cinquenta reais. diz aí, que tal acordar na segunda divisão?
- é, cara... pra falar a verdade eu já tava meio que esperando isso. acho que tô resignado já. os cinquenta eu te pago na sexta, porque a gente já vai ter recebido.
- tá tranquilo. agora não vai esquecer que vai ter que jogar a pelada de quarta com a camisa do fluzão, hein?
- não esqueci, não. leva lá pra mim que eu boto.
- vou levar, sem falta! essa eu quero ver.
- e sua mulher, pedro? tá melhor? semana passada você disse que tava preocupado, que ela tinha piorado muito.
- pois é, cara. é por isso que eu nem vou ficar pra trabalhar hoje, to só de passagem. ela faleceu ontem e o enterro vai ser agora de tarde. eu nem tava muito afim de ir, mas não posso perder a oportunidade de sacanear aquele bando de flamenguistas da família dela.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

ou não


chegou, finalmente, a entender os homens que olhavam fixos para um ponto, na maioria das vezes com as mãos ocupadas, com a cabeça, sempre. percebeu o quanto atrapalhou a si e aos outros tentando fazer caber dentro do tudo, ordenadamente, todas as coisas. catou cavaco em inúmeras ocasiões, mas se pôr de pé após cada uma fazia com que ele acreditasse que estava no caminho certo. o tempo passou, e já cansado do cai-levanta, resolveu se recostar para recobrar as forças, sentando ao pé de uma árvore que lhe provia uma sombra muito meiaboca. ali, com os joelhos laçados pelos braços, começou a enxergar as coisas por uma outra perspectiva. notou que entre os homens existiam abismos irreparáveis. intuiu que a maldição de seus colegas de espécie era se parecerem uns com os outros, quando a rigor nada tinham a ver. meditou sobre isso durante um tempo incontável. quando finalmente levantou, já sem querer fazer caber no tudo todas as coisas, foi arrumar o que fazer. parou de tropeçar, mas passou a carregar no peito uma estranha sensação, que só cessava quando ocupava suas mãos ou, por deslize, se flagrava tentando fazer caber tudo no todo, de novo. havia que se descobrir um jeito de se livrar do ou. ou não.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

preta porteira


pra onde você quiser. é isso mesmo, você pode ir para onde quiser. é claro, só terá que assinar esses papéis concordando com os termos. como assim não sabia dos papéis? meu senhor, para tudo o que se possa querer  nessa vida é preciso que se assinem papéis, não tenha dúvidas. mas mesmo assim, se as tiver, pode contar comigo que eu me prontifico a sanar todas. mas antes preciso que assine os papéis. fique à vontade para ler tudo com calma, mas pode confiar, é só assinar a última página e rubricar no cantinho de todas as anteriores. aqui está a caneta. fico muito feliz de ver o senhor tomando a decisão certa. sem dúvidas o senhor não se arrependerá. é o melhor investimento que existe nos dias de hoje. perfeito. está tudo em ordem agora, senhor. dentro de onze dias úteis o senhor já pode passar aqui na loja para buscar os seus sonhos. e lembre-se, o período de troca em caso de defeito é de dez dias, contados a partir de ontem. se o senhor me dá licença, agora preciso ir. os negócios estão à toda, ainda tenho vinte e nove desses pra vender ainda hoje.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

merdê


feito o estrago, e logo a certeza crua de que não haveria mais volta começou a pesar sobre suas cabeças. a falta de culpados tornou tudo mais difícil, praticamente impossível. entreolhares tentaram a cumplicidade em busca de uma pena menos severa. não funcionou. ninguém deu o primeiro passo. todos temiam o pior, não sabendo que já estavam parados, rigorosamente, de pé sobre ele. algum tempo passou. já quase não se lembravam do estrago, e de alguma maneira obscura inventaram uma série de hábitos de vigilância uns para com os outros. ninguém perdoava mais nenhum erro alheio, tampouco próprio. respirações curtas, longos períodos de vigília, quase nenhum de sonho. tudo por causa daquilo que se esqueceu, desde lá atrás, quando o estrago foi feito. bando de cagões da porra!

perainda


três... dois... um... nada. de novo. três... dois... um... nada. de novo. de outro jeito. um... dois... três... e... nada. de novo. um... dois... três... e... nada, de novo. silêncio. um pouco mais de silêncio. ainda mais um pouco. enfim, quando todos menos esperavam, ele havia ido. não houve tempo para aplaudir. ele já tinha ido. se deu um princípio de confusão, mas logo passou. enquanto ele, enquanto ia, achava aquilo tudo muito engraçado. riu de si, mais do que tudo, ao perceber que já ia sem nem ao menos lembrar pra que. apesar do malentendido deixado sobre os ombros do público incauto, sentiu-se aliviado, quase livre. logo, uma coisa ficou clara. aquela corrida não era de mais ninguém. e a forma do pensamento que ocasionou essa conclusão, foi: trêsdoisum é o caralho!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

mil duzentos e seis


o filho da puta respingou porra em mim, mesmo eu tendo avisado que mataria ele. mas é foda. mil e seis reais. eu nunca ia esperar mil e seis reais daquele puto. quanto mais numa nota de mil. eu nem sabia que existia nota de mil. e eu quase não fiz nada, foi a mulher dele que tomou pica. mais duzentos do segundo programa. que merda. acho que posso acabar me acostumando. mil duzentos e poucos reais pra aguentar uns esporros... acho que dá. que merda. que merda.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

assim


calaram-se não se sabem quantas línguas, emudeceram-se os batuques, pararam de andar os pés, os olhos não enxergavam mais, a cabeça só pesava. apenas o coração batia, descompassado, caótico, forte e desesperado. coisas cruzavam o ar, projetadas. as máquinas levavam homens de um lado a outro, carregando outras, máquinas, de desfazer homens, que a bem da verdade, nem ao mesmo tinham terminado de ser feitos. a rotina seguiu assim até que um dia faltaram homens para se desfazer. desfizeram então as crianças, depois as mulheres. os velhos já não existiam mais há muito tempo. finalmente, foi tudo desfeito. e o homem, desfeitor do outro homem, também. 
sem solenidades, sem fechamento.
assim foi o fim. simplesmente, assim.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

clive


a ladeira que subia, descia. confuso, cogitou pedir informação. os outros não tinham olhos no rosto. ele tinha, ou pensava que tinha. estaria a subir ou a descer. para trás, a mesma coisa. o cima, embaixo. o baixo, em cima. em suas mãos ainda se contavam cinco dedos em cada. nos pés, idem. algo era familiar. não ousou olhar dentro das calças. na cabeça ainda havia cabelos. queria um espelho. olhou de novo para frente. ou subia ou descia. um passo após o outro. arriscou. seguiu mais um pouco. pensava se já seria tempo de olhar para trás. queria saber se havia subido ou descido. cinco dedos. cabelos na cabeça. seguiu mais ainda. cinco dedos. cabelo. para trás, ainda era cedo. parou de conferir os dedos e cabelo. seguiu. seguiu. tomou coragem. olhou para trás. cinco dedos. cabelo. olhou dentro das calças. aliviado, levantou a cabeça e olhou em volta. havia subido ou descido. até ali, quatro certezas. tinha pau, cabelo, vinte dedos e estava completamente perdido.

perguntador


-levanta daí, menino. anda, senão o homem vai te pegar.
-o homem mau, mãe?
-é, o homem mau.
-vamos logo que sua tia tá esperando no carro.
-mãe, aquele homem é mau?
-não, meu filho. 
-por que não?
-não sei. anda logo, menino.
-mas mãe, como a gente sabe se o homem é mau?
-você faz cada pergunta. o homem mau só aparece quando a gente faz coisa errada.
-eu fiz coisa errada, mãe?
-não, meu filho, não fez não, agora vamos.
-mãe... será que se eu fizer coisa errada, um dia o papai aparece?

sábado, 28 de agosto de 2010

ossonho


sonhos enigmam, imagens de não saber, familiaridades estranhas, mar vem de novo em direção à janela do apartamento alto, se esparrama contra um invisível que não o deixa entrar, estava aberta, logo está todo seco, o mar. ando pela rua, telefone toca, amigos num bar, vou pra lá, não vou mais, aborrecimento, a mulher, a mulher cobra, tento envenenar, se despreende e me persegue. sonho mais. sonho, mas esqueço. o dia ontem, o dia amanhã. terror e paz, tudo cabe, sonho mais. humilhado pelos mais dóceis, contrassenso, os ditadores nunca estão lá. corro de mim. ou narro, ou narrado, sempre lá. mar, cobras, mulheres, intensidades impossíveis. sonho, substantivo que é verbo, presente. desembrulho, pra poder usar. maldito, bendito, continua lá. sonho. falso enigma. verdade de sonho é se lembrar.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

reciclagem



espumas sintéticas sobre o horizonte, visões turvas do que resta sob os pés. braços dormentes, mãos frias, cabeça vazia. o dia se faz em tons de lilás, as noites continuam negras, o vento que sopra é quente e frio. o sons são altos, súbitos e estridentes. caminhar trôpego, saudações incertas aos passantes, um amanhã que pouco importa, as palavras dirigidas são vagas, tão vagas como os ruídos do redor. já não se vêem mãos extendidas em nenhuma direção. todos abraçam a si próprios, nada vai bem em lugar algum. há um cuidado todo especial com o lixo. já não se polui mais tanto quanto antes. o planeta parece estar a salvo. não se acha mais nenhum papel no chão. todos estão sempre atentos a procurar. cabeças baixas, olhares nervosos. talvez tenhamos nos tornado catadores, talvez não. talvez sejamos tristes. uma nação de gente triste, sozinha e ressentida, mas com um enorme compromisso moral de manter as ruas limpas. não há mais pombos podres a ciscar os restos. hoje, os pombos são outros.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

pra quem é do dia

eu acordo mais cedo e descubro que sou menos eu, penso em ainda mais cedo, menos ainda eu. se não eu, quem? quanto mais cedo mais outra coisa que não alguém. bem cedo, bem cedo mesmo, não existe ninguém. o fim do dia se encaminha, cansamos por ter carregado um dia inteiro de eu, de outrem, mas aí chega a noite e nos dá de novo a esperança de no dia seguinte acordar bem cedo. a insônia é a ansiedade pela chegada de um dia mais calmo do que o anterior. e no próximo dia estará sempre guardada, a esperança e a dor.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

a troca


cheguei pra você com as coisas mais belas que recolhi por onde passei. você sorriu por simpatia ou descaso, não sei. me disse que só aceitava moedas. eu tentei explicar. você não quis saber. então, eu peguei o que tinha, troquei por moedas e dei pra você.

ontem mesmo


ontem mesmo lembrávamos nossas brincadeiras de infância, as minhas custei pra lembrar, ontem mesmo me peguei tão diferente de quando a ordem era brincar. ontem mesmo me vi meu pai, ontem mesmo me vi minha mãe. ontem mesmo já não tinha mais medo de escuro, de bicho escondido no mato, de arrumação, de despedidas. ontem mesmo entendi tanta coisa, mas tanta coisa, que ontem mesmo sonhei uns sete sonhos, daqueles que por muito pouco não te fazem acordar. hoje acordei cansado, pensativo, preocupado. quisera eu poder esquecer isso tudo e sair pra brincar. inventar outros ontens, dignos de lembrar.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

três por dois


é como se fizesse muito tempo, digo isso mesmo sem bem saber se realmente faz. sinto o tempo de outro jeito. os anos já não fazem mais tanto efeito, as casas fazem mais, as ruas que percorro, paisagens agora rurais. ganhei mais belos pores do sol, novos amigos, novas saudades, outra paisagem. cavalo albino, escola estranha, praça do trenzinho. em volta tudo novo, antigas, as memórias. quero saber a serenidade do homem velho, que já passou por tanto mais. quero saber, se der, me diz, como é que faz.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

teimosismo



quando tudo se entorta e nós nesse tudo, quem seremos, saberemos desentortar, para que não seja tão grave, talvez, seguir futucando na memória, lembrar que não foi uma única vez, nem a última será, o estado das coisas é sempre assim, cataclísmico, sujo, empoeirado como cantos de casa de homem solteiro, como cuecas velhas, comida azeda. é com a risada e com os devaneios que se revestem aqueles que chegam mais longe, mais longe que os outros que simplesmente pararam de caminhar, porque sempre é assim, não há nada de óbvio ou causal, por simplesmente se saber que nunca se vai chegar, não! isso não implica em se parar. quem anda sabe que tipo de coisa se escuta no caminho. é normal, no início, tentar explicar, às vezes para si próprio, e a convicção que surgia da simples dúvida, esta muda logo, e quando amadurece pára de explicar, só não pára de tentar. é quando tudo se entorta e segue. do jeito que vai, do jeito que dá.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

quando o tempo limpa


no inverno
às vezes o tempo limpa
tanto tanto tanto
que esfria muito
muito muito muito
mais do que nunca
é tempo de estarmos juntos
mais do que nunca

idas e vindas


idas e vindas
infinitas
idas e vindas
mais idas do que vindas
como se fosse possível
não sendo
para onde então retornei 
nas vindas que não contei?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

vai vai vai


Vem cá
Já te disse que não é assim
Não vai desistindo assim
Nem faz como não tivesse jeito
Me diz aqui
Sinceramente
Esse é você?
Ou o que você deixou de ser
Porque eu já não sei mais
O que te afeta 
O que te faz
Senta aqui
Ou então vai lá
Só não fica aí
Parado no lugar
Se der deu
Se não der não deu
Segue o caminho
Que um dia
Você vai ver
Há de ter sido o teu

segunda-feira, 17 de maio de 2010

cidade torta







a cidade é a mesma de sempre. torta. sempre será. quão torta, pra que lado, pra que passe o que, o que cai onde, quem se confunde, isso é coisa do olhar. olhar é coisa que se faz. cidade também.

guerra


em algum momento é preciso ser parcial. para que alguma coisa tome corpo sempre há que se ser parcial. sendo assim, que sejamos por coragem, não por ignorância. chega de parcialidades por ignorância. as guerras nunca terão fim. sendo assim que sejam guerras escolhidas. chega de guerra herdadas. chega de soldados arrependidos. chega. se é para se haver guerra, que seja a nossa guerra, e que no nosso sangue, enquanto escorre, corra a nossa causa.

alheio




o que houve?
não sei. acho que aconteceu alguma coisa comigo.
seu braço caiu. o que houve?
não sei, parece que meu braço caiu.
não sabe como seu braço caiu?
não, não sei.
e você não se importa?
com o que?
seu braço.
não sei. por quê? o que tem meu braço?

trevas


trevas tristes me travam trago em mim a trágica traição de meu próprio trato tramei e tramei mas as tralhas me atrapalharam minhas pernas trançaram destroçadas então trôpego caí tragado pelas trevas tristes tolas tantas trevas entre um trago e outro trago as trevas

estação terminal


próxima estação
saens peña
estação terminal
o desembarque é obrigatório
o metrô rio agradece sua preferência.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

um na mão


era uma vez um menino que criava pássaros soltos. não gostava de gaiolas. diziam que um pássaro na mão valia mais que dois voando. ele não entendia. até que um dia, deixou de ser menino e pegou um pássaro na mão. olhava para o céu e via os outros, voando. o pássaro em sua mão o fez pensar. pássaros no céu são para meninos. homens os devem ter presos, bem firme entre as mãos. quis ser de novo menino. mas já não havia pássaros a voar.

terça-feira, 11 de maio de 2010

semelhança




-Ei, ei!
-...
-Eu te conheço de algum lugar, não conheço?
-...
-Tenho certeza de que te conheço, só não lembro de onde?
-...
-Nossa! Que agonia, eu juro que te conheço. Da escola talvez, mas você tá muito envelhecido, ia ser difícil de lembrar. Do trabalho não é, porque o pessoal de lá é quase todo o mesmo de sempre. Um tio meu talvez. Não, não, não.
-...
-Meu Deus! Já sei com quem você se parece! 
-...
-E parece muito. Que coisa!
-...
-Você é a cara do meu pai! Como se fosse ele uns anos mais novo.
-Augusto! Sai da frente desse espelho e vem que sua camisa já tá passada. Não vai se atrasar de novo pro trabalho logo na sua última semana.
-Já estou indo amor. O que você acha de eu deixar a barba crescer?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

olha


o risco de não esperar é o risco de fazer emergir Aquilo que não espera. fazer o que não espera emergir é o exercício da coragem, do culto ao inadiável. porque tudo o que importa o é. todo o resto é da ordem da vida. da ordem mais do que da vida. a vida é inadiável.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

lágrima por copacabana


Bem no iniciozinho das manhãs de Copacabana, se você olhar qualquer transversal da Nossa Senhora em direção ao mar, vai ver o sol queimando a praia antes de queimar qualquer outro lugar. Fica tudo dourado, de doer os olhos. Dos quiosques e etecéteras no calçadão, só se vêem silhuetas. Se você entrar na Domingos Ferreira, vai ver um porteiro de prédio lavando a calçada com água abundante saindo de sua velha mangueira listrada. Vai ver uma senhora com a cara retorcida, condenando o criminoso desperdício. Vai ver um garoto de trinta anos lembrando o gosto daquela água, marco de uma infância distante. Vai ver uma garota de olho no garoto, porque ele lembra outro, que não sai do seu peito. Um cachorrinho alegre. Alguém dormindo na rua. Vai sentir um vento fresco que sempre passa por ali. Quem desce nas manhãs de Copacabana pela Domingos Ferreira, nunca esquece. Nunca esquece que ali, o mundo é quase de sonhos. Mas não esqueça, só é assim enquanto o fogoso, ardente e impiedoso sol se represa na praia. Depois que apruma no céu, faz de tudo pecado, revelando todas as outras curvas e silhuetas de um bairro que obedece ao sol, e sendo assim nunca será um só.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

negócios

-Sinhô, mim arruma um real? Sinhô, por favor, um real preu tomá um café, minha barriga tá vazia.
-E por que você não arruma um trabalho ao invés de ficar aí pedindo?
-Ô, sinhô. Esse aqui é meu trabalho, é assim que eu ganho a vida.
-Trabalho, sim, pois sim. Desde quando ficar pedindo na rua é trabalho?
-Ô patrão vai me dá uma licença, mas a diferença de mim pro patrão é que eu tenho város patrão.
-Como assim?
-Ué, eu fico aqui no chão, sentado, todo sujo e com cara de coitado, daí passa váras pessoa como o senhô e mim dá dinheiro. Eu fico aqui sentado, pedindo e as pessoa mim dá dinheiro. É isso.
-E o que isso tem de parecido comigo?
-Ué, o patrão não tá indo pro trabalho? Não tem que se verti de um jeito assim assim assado? Fazer umas cara e falá umas coisa de um certo jeito? Quando chegá lá não vai ficá sentado o dia todo?
-Grandes coisas, mas ainda é muito diferente.
-Ô meu patrão, mim responde uma coisa. O senhô trabalhava se não precisava de dinheiro?
-Não, né. Claro que não.
-Então. Eu e o sinhô temo uma pessoa que vê a gente sentado o dia todo no mermo lugar, vestindo mais ô meno o mermo tipo de roupa, fazendo a merma coisa quase todo dia, certo?
-...aham.
-E se a gente não estiver ali sentado todo dia, o dia inteiro, essa pessoa não dá dinheiro, né?
-...é.
-Então patrão, a diferença é que eu posso ir embora a hora que eu quizé, que meus patrão nem vai notá, mas quando eu voltá, eles vai voltá a mim dá dinheiro. Se o sinhô saí na hora que quizé não é bem assim, né?
-...
-Fica assim não patrão. Não quiria chatiá o sinhô não. É que tanta gente já mim perguntô isso, que eu acabei parando pra pensá.

terça-feira, 6 de abril de 2010

singular


o singular não se encontra todo dia mas toda a vez que se encontra ele faz você achar que sabe ele sabe mais e se não mais certamente melhor o singular te olha no olho não arrega espera espera espera te testa espera a reação não importa qual ele sabe mais e se não mais sabe melhor e depois do seu encontro com ele você não é mais o mesmo pelo menos por um tempo mas ele não se importa porque ele não lembra de você porque ele não tem memória ele não existe no espaço mas só no tempo o singular se faz no tempo é encontro em que se torna mais do que você achou que existiria e repeitar o singular é não querer o ter compreendido mas sim guardar na memória que ali naquele momento você viveu algo novo do que conhecia e como tudo que se preze não acontece duas vezes... singular, singular, singular, singular, singular e se um dia acontece de novo e você acabe por o reconhecer o singular ele se tornou o belo. o belo é o singular que venceu as agruras do tempo

rio pluvial



tudo partiu se partiu mas não como um filme mas como nuvens que só depois se pode notar como nuvens negras que se formam e mesmo essas mudando mais rápido não se percebe e ainda assim se é preciso viver depois da chuva que vem dizer que por pior que seja vem o depois e o depois do depois entre um e outro há que se haver os bons momentos em que não se teme coisa qualquer quando a vida faz sentido mesmo que raros esses são os que preparam o espírito para a próxima chuva para as próximas nuvens e por mais que queiramos nos precaver a chuva sempre nos lava nos leva alguma coisa nuvem que não tem forma e que não pára de mudar mas que tudo isso sim é difícil e inevitável e assim como tudo que é inevitável e dramático é triste porque é preciso saber ser triste quando chove e não ser quando a chuva pára é preciso que haja o sol para que se possa chover sem que tudo que a chuva lava seja levado para que amanhã faça chuva ou faça sol possamos ainda sorrir e nos abraçar com alegria e que a chuva seja apenas uma memória da próxima que virá e não só e não só não só

tal pai, o tal


- Papai, dá para o senhor parar de olhar pra minha mulher desse jeito?
- Ô meu filho, aquela é a sua mulher, é? Benzadeus! Saiu ao pai mesmo, sempre renovando. Diga-se de passagem, ela ficou um espetáculo nesse vestido azul.
- Tá bom pai, agora chega. Cadê sua namoradinha nova que não veio?
- Não foi por falta de vontade minha, isso eu te garanto. Ah, como eu queria trazer ela pra exibir aqui, você ia ficar impressionado.
- Mas afinal então, por que não veio?
- Disse que amanhã de manhã tem prova de vestibular. Quer fazer cinema, é mole?

quarta-feira, 31 de março de 2010

mulher objeto


-Oi gatinha. Tudo bem?
-...
-Quer dizer que você faz o tipo difícil né?
-...
-Vamos fazer o seguinte, entra aqui no carro que a gente dá umas voltas pra você ficar mais a vontade.
-...
-Fala Márcio! É tu cara? Diz um homem se aproximando com uma garrafa na mão.
-Tá fazendo o que parado aqui maluco?
Márcio constrangido não sabe bem o que explicar. Resolve não esconder o jogo. Sinaliza com um leve aceno de cabeça e um olhar malandro em direção à mulher parada na calçada, ao lado da janela de seu carro.
-Hã? Não entendi.
Seu conhecido se aproxima para tentar entender. Márcio já sem muitos pudores resolve escancarar.
-Encostei meu carro aqui pra saber se essa gatinha tava afim de dar uma volta. Você não acha que ela tá com cara de quem quer dar uma volta?
O homem olha para Márcio já um pouco sem jeito. Olha para a mulher. Dá uma risada atrapalhada de quem não distinguiu a piada da realidade.
-Então, não acha que ela deveria vir comigo? Perguntou Márcio, já a vontade novamente.
-...
-Então?
-Como assim cara? É sério?
Marcio intrigado, agora começa a fazer cara de poucos amigos.
-Que foi cara, não tá gostando de alguma coisa?
-Porra Márcio...diz o homem sem acreditar na situação.
-Qual foi cara? Que cara é essa?
-Porra Márcio tu tá de sacanagem não tá não? Sério cara, me diz que tu tá de sacanagem!
-...
-Márcio, essa merda é uma boneca cara. Uma boneca! Puta que o pariu! Uma boneca! Tu não sabe distinguir uma mulher de uma boneca?!
-...
Márcio acelera e some virando a esquina.

segunda-feira, 29 de março de 2010

O dia em que Armando virou eterno


hoje partiu um cara daqueles. bom demais. escrever pra mim sempre foi dar beleza ao trivial. esse cara que partiu gostava da bola, e acabou por dar a ela muito mais do que o óbvio. sempre que um desses parte, tudo dele fica pra sempre. armando fez perene uma forma de ver o futebol. hoje, armando é eterno. alcançou existência plena o maior cronista do futebol mundial. armando, obrigado pela sua letra.