segunda-feira, 19 de abril de 2010

olha


o risco de não esperar é o risco de fazer emergir Aquilo que não espera. fazer o que não espera emergir é o exercício da coragem, do culto ao inadiável. porque tudo o que importa o é. todo o resto é da ordem da vida. da ordem mais do que da vida. a vida é inadiável.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

lágrima por copacabana


Bem no iniciozinho das manhãs de Copacabana, se você olhar qualquer transversal da Nossa Senhora em direção ao mar, vai ver o sol queimando a praia antes de queimar qualquer outro lugar. Fica tudo dourado, de doer os olhos. Dos quiosques e etecéteras no calçadão, só se vêem silhuetas. Se você entrar na Domingos Ferreira, vai ver um porteiro de prédio lavando a calçada com água abundante saindo de sua velha mangueira listrada. Vai ver uma senhora com a cara retorcida, condenando o criminoso desperdício. Vai ver um garoto de trinta anos lembrando o gosto daquela água, marco de uma infância distante. Vai ver uma garota de olho no garoto, porque ele lembra outro, que não sai do seu peito. Um cachorrinho alegre. Alguém dormindo na rua. Vai sentir um vento fresco que sempre passa por ali. Quem desce nas manhãs de Copacabana pela Domingos Ferreira, nunca esquece. Nunca esquece que ali, o mundo é quase de sonhos. Mas não esqueça, só é assim enquanto o fogoso, ardente e impiedoso sol se represa na praia. Depois que apruma no céu, faz de tudo pecado, revelando todas as outras curvas e silhuetas de um bairro que obedece ao sol, e sendo assim nunca será um só.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

negócios

-Sinhô, mim arruma um real? Sinhô, por favor, um real preu tomá um café, minha barriga tá vazia.
-E por que você não arruma um trabalho ao invés de ficar aí pedindo?
-Ô, sinhô. Esse aqui é meu trabalho, é assim que eu ganho a vida.
-Trabalho, sim, pois sim. Desde quando ficar pedindo na rua é trabalho?
-Ô patrão vai me dá uma licença, mas a diferença de mim pro patrão é que eu tenho város patrão.
-Como assim?
-Ué, eu fico aqui no chão, sentado, todo sujo e com cara de coitado, daí passa váras pessoa como o senhô e mim dá dinheiro. Eu fico aqui sentado, pedindo e as pessoa mim dá dinheiro. É isso.
-E o que isso tem de parecido comigo?
-Ué, o patrão não tá indo pro trabalho? Não tem que se verti de um jeito assim assim assado? Fazer umas cara e falá umas coisa de um certo jeito? Quando chegá lá não vai ficá sentado o dia todo?
-Grandes coisas, mas ainda é muito diferente.
-Ô meu patrão, mim responde uma coisa. O senhô trabalhava se não precisava de dinheiro?
-Não, né. Claro que não.
-Então. Eu e o sinhô temo uma pessoa que vê a gente sentado o dia todo no mermo lugar, vestindo mais ô meno o mermo tipo de roupa, fazendo a merma coisa quase todo dia, certo?
-...aham.
-E se a gente não estiver ali sentado todo dia, o dia inteiro, essa pessoa não dá dinheiro, né?
-...é.
-Então patrão, a diferença é que eu posso ir embora a hora que eu quizé, que meus patrão nem vai notá, mas quando eu voltá, eles vai voltá a mim dá dinheiro. Se o sinhô saí na hora que quizé não é bem assim, né?
-...
-Fica assim não patrão. Não quiria chatiá o sinhô não. É que tanta gente já mim perguntô isso, que eu acabei parando pra pensá.

terça-feira, 6 de abril de 2010

singular


o singular não se encontra todo dia mas toda a vez que se encontra ele faz você achar que sabe ele sabe mais e se não mais certamente melhor o singular te olha no olho não arrega espera espera espera te testa espera a reação não importa qual ele sabe mais e se não mais sabe melhor e depois do seu encontro com ele você não é mais o mesmo pelo menos por um tempo mas ele não se importa porque ele não lembra de você porque ele não tem memória ele não existe no espaço mas só no tempo o singular se faz no tempo é encontro em que se torna mais do que você achou que existiria e repeitar o singular é não querer o ter compreendido mas sim guardar na memória que ali naquele momento você viveu algo novo do que conhecia e como tudo que se preze não acontece duas vezes... singular, singular, singular, singular, singular e se um dia acontece de novo e você acabe por o reconhecer o singular ele se tornou o belo. o belo é o singular que venceu as agruras do tempo

rio pluvial



tudo partiu se partiu mas não como um filme mas como nuvens que só depois se pode notar como nuvens negras que se formam e mesmo essas mudando mais rápido não se percebe e ainda assim se é preciso viver depois da chuva que vem dizer que por pior que seja vem o depois e o depois do depois entre um e outro há que se haver os bons momentos em que não se teme coisa qualquer quando a vida faz sentido mesmo que raros esses são os que preparam o espírito para a próxima chuva para as próximas nuvens e por mais que queiramos nos precaver a chuva sempre nos lava nos leva alguma coisa nuvem que não tem forma e que não pára de mudar mas que tudo isso sim é difícil e inevitável e assim como tudo que é inevitável e dramático é triste porque é preciso saber ser triste quando chove e não ser quando a chuva pára é preciso que haja o sol para que se possa chover sem que tudo que a chuva lava seja levado para que amanhã faça chuva ou faça sol possamos ainda sorrir e nos abraçar com alegria e que a chuva seja apenas uma memória da próxima que virá e não só e não só não só

tal pai, o tal


- Papai, dá para o senhor parar de olhar pra minha mulher desse jeito?
- Ô meu filho, aquela é a sua mulher, é? Benzadeus! Saiu ao pai mesmo, sempre renovando. Diga-se de passagem, ela ficou um espetáculo nesse vestido azul.
- Tá bom pai, agora chega. Cadê sua namoradinha nova que não veio?
- Não foi por falta de vontade minha, isso eu te garanto. Ah, como eu queria trazer ela pra exibir aqui, você ia ficar impressionado.
- Mas afinal então, por que não veio?
- Disse que amanhã de manhã tem prova de vestibular. Quer fazer cinema, é mole?