quinta-feira, 28 de outubro de 2010

entre


peço licença, mas não há ninguém lá. busco companhia, talvez ainda seja muito cedo. a porta está aberta, escancarada. o lado do dentro eu imagino, falta pouco, falta tanto. quem me disse pra ir, nunca esteve lá. essa é a condição, a descoberta. isso deveria me libertar. sinto o peso da decisão. reconheço em mim os opostos. durmo bem durante a viagem. percebo que nada está pra começar. é o depois que põe as cartas, as perguntas sem respostas. a história é obra da loucura. olho em volta. não estou mais só. não, estou completamente só. tenho que sonhar com os outros. um passado quer ser futuro, pra ter presente. o tempo se curva sobre si, sobre mim. tenho que fazer sobre nós. pra atar, desatar. fazer sentido, no peito. entre tantos, entretanto. desatento, some a porta. um caminho em seu lugar. atrás, olhando agora, vejo que já começou. no lugar da poeira que ainda paira, há que se haver histórias. não se pode viver sempre a se lhas apagar. o caminho da frente se dobra sobre o detrás. eu, comprimido, me esparramo no entre, entre. lembro da saudosa porta, peço licença, mas não há ninguém lá...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

um pra frente, dois pro lado


no tabuleiro, da beira o jogo é outro. hoje é casa E5 e o coro come, rainha do lado, peões, alguns já eram, outros seguram as pontas, os bispos seguem no jogo, até agora um empate sem condições de analisar muito à frente. sou cavalo, pulo daqui pra lá, entre defender e ameaçar, os reis são dois, até o fim. acabamos de perder a torre, me movo pra trás, a rainha me protege agora, logo avançaremos em direção ao roque. não existe partida ganha, mas estamos otimistas. não! perdemos a rainha. me recomponho do susto e avanço em direção ao rei branco, eu e um peão atrevido. é cheque-mate. volto pra b8, pronto pra outra.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

terceiro turno


se eu sei? não, eu não sei no que vai dar. mas do jeito que tá é feio demais, não pode ficar. eu vou por ali, você vai por lá. não é nem que lá na frente a gente vá se encontrar, é que o relógio não para. tictac. e nessa trilha tosca, vamos ao menos parar de gritar. fim de festa que nem começa, mais uma não dá.

eu não quero ser esse mundo pros meus filhos.


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

pausa


eu tenho medo de me perder.
você tem medo de se perder?
você tem medo de me perder?
eu tenho medo de te perder.

...

pausa

...

eu tenho medo de me perder?
você tem medo de se perder.
você tem medo de me perder.
eu tenho medo de te perder?

...

pausa

...

espera...

do que é que a gente tem medo mesmo, amor?

...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

dos pregos e rabos


miligramas de lixo inundam a sala de reunião, somos todos temerosos, cagões. olhos fixos em tudo que é lugar, mas nunca em outro olhar. sob o manto de uma tosca altivez, ninguém sabe o que faz. o encarnado aparece dos céus... mas... espera... não é ele, de novo, outro engano. ninguém mais acredita, a não ser nas pequenas merdinhas do dia-a-dia, que pra quem acredita não tem nada de inha. na rua não tem polícia pra prender e ninguém aproveita. ciscando culpas e pregos pra se prenderem os rabos, por aí não vou. televisão é o remédio pra doença que todo mundo foi convencido que tem, quando não são as bolinhas que os jalecudos receitam. eu não duvido de mais nada e não me venha com seus absurdos, porque se deus está morto, meu deus! o que então estamos fazendo que não brincando no quintal?

autorretrato de outrem




faço um café pra despertar em mim o que adormece é rente ao chão quase morto simpatizo um pouco com a pequena sensação rente ao chão não há o pouco me elevo por dever obrigação me confundo pela presença dos outros que não são poucos mas roucos quando não mudos sou eu que tento mudo pouco o bastante pra perder o terreno que me ganharam durante a confusão tento me arquitetar ou aquietar mas tem sempre alguma coisa a cutucar algumas vezes respondo noutras crio calos oportunos só para me prevenir de um incômodo inoportuno que teima em me insistir simplesmente porque não entende nada de vocação.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

quem jura mente


não, não é mais uma barata. é o cadarço da sunga. as cuecas limpas acabaram. a colchão tomba pro lado e eu sei porque, mas tenho preguiça de consertar. amanhã não sei se corro na esteira ou corro pro bar. a certeza que eu tenho é de que seis horas toca o despertador, e que eu não vou levantar antes de seis e meia. hoje sou capaz de pensar num dia perfeito amanhã, mas quando o amanhã vira hoje a história é sempre outra. disso eu já sei, acontece todo dia. o problema não é nem que as autopromessas nunca se cumpram, mas sim que se perca tanto tempo com elas. melhor seria se pudéssemos aceitar que um dia fosse mais ou menos a mesma coisa que o outro dia, mas pra isso, honestamente, eu não tenho vocação. então deixa eu ir dormir, porque amanhã eu tenho do dia cheio. mil promessas pra não cumprir.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

das coisas do mar


os barcos, me proibiram de voltar a vê-los. isso desde que foram condenados todos aqueles que, como eu, viram as criaturas fantásticas do mar. mas, pela proibição, começaram a faltar homens que soubessem manejar corda e vela. resolveram então, por medida provisória, que poderíamos voltar a embarcar. mas passaram a nos treinar para o fazer de olhos vendados. eu bem que poderia, mas não quis. não vi razão em navegar sem poder ver as coisas que, do mar, só vê quem está lá. preferi ficar em terra, tecendo redes e velas, as quais, enquanto teço, fecho os olhos, pra ver as coisas do mar.

onde (não) me encontrar


nos amamos na cumplicidade de nossos defeitos, e nos raros momentos em que não é assim, deparamo-nos com um confuso sentimento de regozijo e medo. temerosos e confiantes, seguimos, não havendo quaisquer paradoxos lógicos, apenas afetivos. temos uma única certeza, mas que nem essa podemos admitir. o amor que insiste entre nós é quase idêntico a cumplicidade de nossos defeitos. os outros serão sempre ameaças. os outros, que não nossos defeitos. e se isso fosse um lugar, era lá que eu queria te encontrar.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

só mais um pouquinho


vem cá, amor. senta aqui. sabe aquele negócio de eu não querer mais? pois é, mudei de idéia, voltei atrás. eu topo seu pacto. eu lhe sirvo cego, sem emendas, intacto. do meu lado, prometo, não peço nada, podes me levar tudo, me deixar nú, de bunda pelada. pior seria se não fosse assim. chega de promessas, eu quero a vida nua e crua, com todas sua concessões alopradas, como quando seis valem mais do que meia-dúzia e doze não vale nada. quero uma rotina massacrante em que eu me pareça com todos aqueles outros que se parecem entre si. na frente da tv, quero dizer mil vezes a palavra absurdo. quero ler os livros da prateleira dos best-sellers. quero levar o nosso amor até os confins do sofrimento mais neurótico do mundo. quero não ter que inventar nada. quero me ressentir a cada minuto. quero lembrar da infância como se fosse ficção. quero me exasperar à toa quando encontrar um prato mal lavado no escorredor. quero deixar a barriga crescer, porque não vai fazer diferença. quero cagar de porta aberta, peidar enquanto você come. quero ver as crianças crescerem enquanto nosso ossos se esfarelam sob nossas peles. quero ter a certeza de que incerto só será o dia de dizer adeus. e mesmo a morte, tão insuspeita e clara, será por nós mal resolvida. o peso da dor versus o alívio da partida. por fim, aquele de nós que sobrar por último, vai passar o resto dos dias dopado, empurrado numa cadeira de rodas por uma mulher de jaleco branco que não faz parte da família. Ah, meu amor! como não desejar tudo isso do seu lado? é por isso que agora, meu amor, seremos nós dois. só nós dois caminhando de mãos dadas nesse roteiro de filme de terror. afinal, que mal há em terminar assim? então? então vamos! mas vamos depois. agora ainda é cedo, cedo demais.

amor concreto


chão molhado em dia quente, mente anuviada, sangue grosso, sigo em frente, meio bambo, em frente. a cidade me ampara porque não acaba, diferente de mim. eu me acabo. tudo que sobe, sobe, e depois a gente não tem mais notícia. tudo o que desce cai no chão, fica. eu tento. não subo nem desço, pereço. ouço vozes, propostas terríveis, vejo o povo dizendo qualquer coisa em tom moroso. não quero ser o povo. mal consigo. sigo. pressinto o pior, seu cheiro de coisa podre. solto a fumaça pelo nariz. o concreto,  amor anônimo. familaridade imanente. até que se parte.